As Recordações de Edna
by Sam Savage
Título: As Recordações de Edna
Autor: Sam Savage
Págs: 184
Editora: Planeta
Género: Ficção
O Livro
Em As Recordações de Edna, o autor regressa,
mais uma vez, com uma personagem marcada pela contradição – ao mesmo tempo atraente
e exasperante, cómica e trágica.
O livro transporta-nos ao campo de batalha
interior de um autor frente à sua máquina de escrever.
Quando uma editora lhe solicitou que
escrevesse um prefácio ao romance do seu falecido marido, Edna decide escrever
um livro autónomo «não apenas sobre Clarence mas também sobre a minha vida, porque
ninguém pode aspirar a conhecer Clarence sem isso».
Ao mesmo tempo, a vizinha pede-lhe que tome
conta do seu apartamento repleto de plantas e animais. As exigências dos seres vivos
– uma ratazana, peixes, fetos – competem pela atenção de Edna com recordações
há muito reprimidas.
Dia após dia, páginas de pensamentos
aparentemente aleatórios brotam da sua máquina de escrever.
A pouco e pouco, toma forma no mosaico de
memórias a história de um casamento notável e de uma mente levada ao limite.
Serão as recordações de Edna uma homenagem ao
marido ou um acto de vingança?
Terá sido a vítima culta e hipersensível de um
marido bruto e ambicioso, ou terá ele tido que cuidar de uma mulher neurótica?
Cabe ao leitor decidir.
Escrito na primeira pessoa, escasso em diálogos,
este livro convida o leitor a mergulhar na mente de Edna.
O enredo é focado essencialmente na vida desta
personagem, no seu quotidiano e nas alterações que a necessidade de tratar da
casa da vizinha lhe impõem.
Através desses pequenos episódios rotineiros e
da sua escrita Edna tece reflexões com a sua própria vida e na de Clarence onde
a ironia e as suas vincadas convicções alicerçam esta história.
Inicialmente achei arriscado, confesso, a
forma como eram expostos os pensamentos, a fugacidade e alternância dos mesmos.
Mas estes pequenos farrapos criaram algo mais vasto, mais complexo. Apesar de a
mente humana ser um instrumento que trabalha e evolui através de relações, cuja
linha condutora nem sempre é linear, temi que esta exposição pura e dura
afecta-se o interesse do leitor, mas fui agradavelmente surpreendido pelo resultado e pela forma
como me foi apresentado este livro.
Para mim foi uma das melhores pinturas da solidão
que li, e digo para mim porque a interpretação deste livro é tão marcadamente
pessoal que o resultado noutro leitor pode ser completamente diverso.
Gostei especialmente da preocupação patente da personagem e nas suas reflexões quanto à escolha das melhores expressões e palavras para transmitir determinada ideia no seu livro. Gostei das suas aventuras na tarefa "árdua" de tratar das plantas e dos animais de estimação da sua vizinha.
O cuidado mostrado na construção da personagem
é meritório, os pensamentos que se repetem intencionalmente, os esquecimentos
frequentes de tarefas vão solidificando Edna, revestindo-a de alma, propiciando
ao leitor o reconhecimento e identificação com qualquer pessoa da mesma idade.
Este é um livro focado na reflexão interior,
não falo apenas no enredo mas também reflexão do próprio leitor. Tece-se uma
intimidade e proximidade desmesurada com a personagem.
Quanto à escrita «Satisfaz os requisitos
mínimos» diria o pai de Edna, eu diria que os suplanta e sobressai pela perícia
literária demonstrada. Considero a escrita próxima, e assustadoramente íntima.
Gostei. :)