Opinião: Pequenos Vigaristas de Gillian Flynn





 



Uma jovem astuta tenta sobreviver num universo marginal, mas sobretudo inofensivo.

Numa manhã chuvosa de abril, está a ler Palmas Espirituais quando chega a Susan Burke.

Excelente observadora do comportamento humano, a nossa narradora faz imediatamente o diagnóstico: uma mulher rica e infeliz, ansiosa por um pouco de drama e de emoção. Mas quando vai visitar a estranha casa vitoriana onde Susan vive, e que é a causa do seu terror e angústia, percebe que talvez já não seja preciso fingir que acredita em fantasmas…

Miles, o enteado de Susan, também não ajuda. Não tarda a que os três se debatam para descobrir onde reside efetivamente o mal, e se existe alguma possibilidade de fuga.
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Este é um conto repleto de bom humor e arguto sentido de escrita.  


Este conto terá sido escrito, a pedido de George R. R. Martin para integrar uma antologia chamada “Rogues” editada por si. Na altura sob um titulo diferente “What Do You Do?” (O que fizeste?).  E agora publicado sozinho, adoptou o nome “Pequenos vigaristas” em Portugal (ou na versão original: “The Grownup” (O crescido). Julgo que o nosso título faz mais sentido.


Gillian Flynn é uma escritora dotada, com mais do que provas dadas nos seus três livros anteriores.  Adoro o seu sentido apurado dos tons cinzas com que adorna os seus livros. Adoro a sua desenfreada e desinibida ambiguidade. Gosto do espaço e margem de manobra que oferece aos seus leitores. Deixa o leitor tomar parte das suas histórias. Tal como o seu sentido prático e cru da realidade humana, sem preâmbulos. Forte e decadente. Adoro!


Muito se tem falado na pressão a que a autora deve estar sujeita, após o seu estrondoso sucesso do livro anterior, e a exigência de um novo livro pelos seus editores e leitores. Mas nestas escassas páginas a autora demonstra que, tanto uns como outros podem estar descansados, ainda há muito talento e histórias para oferecer.


A história fala de uma mulher que sempre viveu do engenho de ludibriar o próximo. Na arte e no empenho nos detalhes que a faz uma personagem ímpar e com um grande poder de atracção.


Esta mulher vivia de duas actividades peculiares, primeiro no campo sexual (masturbação masculina) e depois no campo do paranormal (vidente)! A dada altura é consultada por Susan, uma mulher que tem problemas com o enteado, fragilidade que resolve explorar  para ganhar algum dinheiro à custa da cliente.


O problema é que no decurso desse seu propósito, acabamos por não saber quem está a ludibriar quem! E com esta ambiguidade constante desenvolve-se uma necessidade irresistível de conhecer o desfecho da  história.


A história está tão bem estruturada que consegue abarcar um sentido de humor descontraído, e contrastantes momentos de puro terror e resquícios de paranormal num registo bem mais sério, sem contudo fragilizar de alguma forma a história! 


 Este conto tem um dos melhores “hooks”* que tive o privilégio de ler nos últimos tempos: «Eu não deixei de bater punhetas por não ser boa. Eu deixei de bater punhetas por ser a melhor.»  Ao mesmo tempo,  impetuoso, chocante e provocador. Mostra desde logo uma personagem forte, convicta, sem preconceitos. Com uma elevada auto estima e uma propensão e satisfação em chocar o ouvinte mais pudico. 


Fiquei rendido … Excelente. Recomendadíssimo.


*Técnica da escrita criativa que consiste na escolha de frase iniciais que visam captar a atenção e curiosidade do leitor levando-o querer ler o livro.

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