Opinião: O Pintassilgo de Donna Tartt

 

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Theo Decker, um adolescente de 13 anos, vive em Nova Iorque com a mãe com quem partilha uma relação muito próxima e que é a figura parental única, após a separação dos pais pouco antes do trágico acontecimento que dá início a este romance. 
Theo sobrevive inexplicavelmente ao acidente em que a mãe morre, no dia em que visitavam o Metropolitan Museum. Abandonado pelo pai, Theo é levado para casa da família de um amigo rico. Mas Theo tem dificuldade em se adaptar à sua nova vida em Park Avenue, e sente a falta da mãe como uma dor intolerável. 
É neste contexto que uma pequena e misteriosa pintura que ela lhe tinha revelado no dia em que morreu se vai impondo a Theo como uma obsessão. E será essa pintura que finalmente, já adulto, o conduzirá a entrar no submundo do crime.

 







(Donna Tartt) «Em 2014, foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes pela revista Time.»

Donna Tartt considerada por muitos um ícone da boa literatura. Alcançou a fama com o seu primeiro livro "A história secreta" com 28 anos, e desde ai escreveu mais 2 romances, espaçados por períodos de aproximadamente 10 anos. Escreve todos os dias, à mão, e vai tirando notas  (a azul e vermelho). Utiliza várias tonalidades de papel para cada etapa no seu processo de escrita. Os primeiros anos de um novo livro são descritos como tortuosos comparando-os a dar vida ao monstro de frankenstein. Estas foram algumas das primeiras notas que tive oportunidade de ler sobre a autora e me abriram o apetite para as suas obras.


Começo esta opinião por pedir desculpa!!! Quero pedir desculpa porque gosto de vos apresentar opiniões curtas, e desta vez não me consegui conter... e acreditem que muito ficou por dizer...

O livro mostra-nos o crescimento de Theo, após ter perdido a sua mãe num fatídico episódio no Metropolitan Museum e a sua relação de proximidade com uma obra de arte que a mãe adorava. Sozinho, enceta um caminho complicado procurando adaptar-se, carregando a culpa, a dor da perda e vivendo numa constante incerteza quanto ao seu destino. 

Este livro é um marco de boa literatura. Donna Tartt consegue uma profundidade singular com a sua escrita. E consegue exemplarmente captar as várias fases de crescimento de Theo, destacando as nuances de cada etapa. Consegue captar a essência da fragilidade e vulnerabilidade humanas nos vários momentos que a personagem vive.  

A leitura deste livro é de facto um prazer imensurável que qualquer leitor não vai querer perder. É-nos permitido tirar tanto deste livro … tudo depende do leitor!! Cada leitor poderá tirar tanto mais quanto mais profundamente mergulhar na obra.  Há tanto conteúdo, tanto a receber desta obra…  Está ali! À disposição do leitor …  como incitando-o a servir-se.

São estes detalhes, esta simplicidade aparente de uma história trágica que explicam a grandiosidade desta obra. Esta, será uma obra intemporal, que como grandes obras perduram no (nosso) tempo depois de lidas e ganham amplitude ao longo da nossa vida. Há obras que gostamos, pela forma, pela história, pelo conteúdo, pelo momento de laser que nos propiciou, pela profundidade emocional, pelos personagens…  Dentro destas há as que definitivamente nos marcam. Que escrevem de uma forma indelével na nossa memória, como se contivessem mensagens escondidas, pequenos tesouros à espera de serem desvendados. 

E são estas Grandes Narrativas que nos vêm à cabeça durante a nossa vida, que marcam o nosso amadurecimento. Estes livros têm vida para além das suas páginas, cuja reflexão e percepção se prolonga e se revelam anos mais tarde dando a esta obra novos significados e mais substância daquela que inicialmente lhe tínhamos atribuído.

«(...) a vida - para além do mais que possa ser - é curta. (...) o destino é cruel e talvez não aleatório. (...) a morte ganha sempre, mas isso não quer dizer que tenhamos de lhe baixar a cabeça e a bajular.»

A obra permite o leitor usufruir de uma história credível levando o leitor à reflexão. Donna Tartt pintou a obra com pinceladas concisas e precisas, que realçam uma sobriedade e vulnerabilidade extasiantes.

Para mim, este livro não precisa de qualquer recomendação, tem voz própria e impõem-se por direito próprio como uma obra de uma qualidade singular e ousada.


E ainda …

Estalou o verniz da crítica literária internacional!!! 

Todos sabemos que a critica é subjectiva e muitas vezes controversa. Essa é a beleza da mesma, ser possível expressar uma opinião divergente ou semelhante da opinião "corrente". Ser possível ver o mesmo livro sobre diferentes perspectivas, diferentes focos, enriquecendo-a com as vivências de cada um, isto permite-nos ver a mesma obra sob outros olhos e por vezes percepcionar de um prisma diferente enriquecendo a nossa percepção, tornando-a mais abrangente e dotando-a de mais conteúdo. 

A discussão sobre como deve ser feita a critica literária é, volta e meia, discutida também aqui, na blogosfera, tenho uma opinião muito linear e simples sobre este assunto, não deve haver barreiras!, nem moldes!, de outra forma, uma só opinião sobre o livro seria suficiente! Cada leitor encontrará, de uma forma natural, as opiniões com que mais se identifica e em função disso procurará essa mesma fonte para referências futuras. É um processo natural.
Posto isto, o que se diz lá fora sobre este livro? As grandes referências da crítica internacional tomam posições completamente antagónicas! De um lado fala-se em obra prima e a excepcionalidade da obra, com comparações a Charles Dickens, de outro lado, fala-se de criticas exageradamente positivas. 

Relembro que todas as grandes obras foram e serão polémicas, e têm a faculdade de fomentar a discussão. Seriam grandes obras se fossem aceites universalmente? Se não mexessem com os padrões instituídos? Serviria de referência para gerações futuras? Não, claro que não! O que se demarca na nossa história não é a normalidade do dia a dia, mas sim aquilo que a transcende, positivamente ou negativamente. Isso sim marca, dá que pensar, convida à reflexão, cria "ondas", mexe consciências, opõe perspectivas. A discussão chegou tão longe que se chegou a discutir e relectir o que define literatura, o que define as grandes obras narrativas. Será o número de vendas? A complexidade? A qualidade da escrita?, (…)
Se mais não fosse, por outra razão, só o facto de haver esta discussão (e discórdia), é por si só motivo para a leitura deste livro e para assim termos uma noção informada da qualidade (ou não) deste livro.

Deixo-vos com dois pequenos excertos de uma opinião extraordinária do escritor Paulo Nogueira sobre este livro:

«Sim, as frases de Tartt não são daqueles aforismos que obrigam o leitor a parar e balbuciar: “Uau!”. Mas as cenas e a fabulação reembolsam tal lacuna com uma dinâmica narrativa perfeitamente funcional. Escrever simples é dificílimo. Escrever complicado é fácil.»

«O crítico do jornal inglês The Guardian, que aprovou o romance de Tartt, resumiu a polêmica com as seguintes perguntas: O pintassilgo é um livro que mexe tanto com críticos quanto com leitores? Sim. É um romance problemático? Sim. Merece elogios da crítica, apesar da opinião de James Wood? Sim. As pessoas que leem um ou dois livros de ficção literária por ano devem ler O pintassilgo? Se elas quiserem. Quem determina o que é literatura? Muita gente diferente. Como sempre acontece, as próximas gerações demarcarão lugar de Tartt no cânone literário.»



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2 Responses to Opinião: O Pintassilgo de Donna Tartt

  1. Olá mais uma vez Paulo, estive a ler atentamente a tua opinião (sem spoillers)
    E gostei do que li... pelo menos ganhei coragem para avançar para este livro de proporções épicas.
    Engraçados os pormenores sobre os hábitos de escrita da autora.
    Tenho ouvido e lido rasgados elogios por parte da crítica, o que por regra me deixa de pé atrás aquando da leitura de algum novo livro, mas as opiniões dos leitores (essas sim importantes) têm se mostrado muito idênticas)
    Confesso que não estava à espera de ler este livro, mas como foi uma inesperada prenda de aniversário, não me irei fazer de rogado.
    Comparar ou não esta obra a Dickens.... terei de ler e depois opiniar... Pelo texto deduzo que a comparação seja feita com "Oliver Twist" (por vezes é inevitável) quando já foram contadas milhões de histórias.
    Quando tiver lido este Pintassilgo, volto para trocarmos mais impressões.
    Continuação de boas leituras.

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