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Pela mão do pequeno Aron, somos levados a conhecer a Polónia de 1939, onde ele e a família vivem.
Pouco tempo depois, enquanto judeus, são conduzidos ao gueto de Varsóvia, onde a crueldade, a fome e a doença destroem as vidas de quem aí foi aprisionado. Porém, Aron e um grupo de amigos conseguem ajudar as famílias, esgueirando-se do gueto para fazer contrabando.
Num relato comovente e intenso, Jim Shepard mostra-nos, através da voz de uma criança, como é possível manter a dignidade humana nas condições mais adversas.
Um romance notável destinado a juntar-se aos clássicos sobre o holocausto escritos na perspetiva de uma criança .. .
Aron permite-nos um olhar diferente da segunda guerra
mundial. Um olhar entre a ingenuidade e o sofrimento atroz, onde não há heróis,
onde não há condutas reprováveis, onde a fronteira entre o certo e o errado se
esbate de tal forma que a sobrevivência se sobrepõe a tudo o resto.
Uma das coisas que mais apreciei no livro foi a visão
escolhida pelo autor para narrar esta história.
Ao optar por fazer de Aron, uma criança de 8 anos, o nosso
ponto de observação, contamos desde logo com uma visão muito centrada no seu
mundo: o seu pai, a sua mãe, os seus irmãos e os seus amigos. Centrada nas suas
prioridades, no seu contexto. Centrada, por força das circunstâncias, na
tentativa de percepção do que uma ocupação
hostil implica.
Para tornar a narrativa mais rica e complexa, e por
conseguinte mais apelativa e para que desde cedo sentíssemos uma imediata ligação
emocional, Jim Shepard, criou uma personagem frágil, subestimada e
incompreendida pela família, que muito me agradou. Contudo esta pode ser uma
perspectiva que também apresenta algumas fragilidades uma vez que ficamos
limitados um pouco à curta experiência de vida da personagem, a seu pequeno
mundo. Mas percebo a intenção de uma visão focada no cerne da história.
Há um detalhe que salta à vista e que quebra o “protocolo”:
por norma, existe uma evolução literária, partimos da "normalidade"
da personagem, do seu dia a dia, para depois ser confrontado com obstáculos e
ser impelido, primeiro pelas circunstancias e depois por si mesmo, a mudar para
outro estádio, por norma oposto ao inicial. Neste caso é diferente, porque
partimos de uma realidade de uma espécie de rejeição para um futuro que não se
advinha muito risonho. O que me fez olhar com mais atenção e com mais respeito,
para a linha de narrativa escolhida.
Esta é uma história que se cria do amadurecimento forçado de
uma criança que perante as vicissitudes de uma realidade hostil tenta
sobreviver. E que apesar das acções a que se vê obrigado, carrega bem no seu
âmago uma espécie de ética, de coerência humana, se assim lhe pudermos chamar.
Gosto como a narrativa transforma e carrega no seu ADN o
conceito de incerteza. Incerteza do futuro, incerteza das reacções dos seus
pares, incerteza do papel de cada um, incerteza de um mundo que mal se
compreende e se encontra em mutação. Tudo é uma grande incógnita numa
realidade, que literalmente, o engole.
Um outro olhar sobre a segunda guerra mundial.