Opinião: Mataram a Cotovia de Harper Lee




 


Situado em Maycomb, uma pequena cidade imaginária do Alabama, durante a Grande Depressão, o romance de Harper Lee, vencedor do Prémio Pulitzer, em 1961, fala-nos do crescimento de uma rapariga numa sociedade racista.

Scout, a protagonista rebelde e irónica, é criada com o irmão, Jem, pelo seu pai viúvo, Atticus Finch. Ele é um advogado que lhes fala como se fossem capazes de entender as suas ideias, encorajando-os a refletirem, em vez de se deixarem arrastar pela ignorância e o preconceito.

Atticus vive de acordo com as suas convicções. É então que uma acusação de violação de uma jovem branca é lançada contra Tom Robinson, um dos habitantes negros da cidade. Atticus concorda em defendê-lo, oferecendo uma interpretação plausível das provas e preparando-se para resistir à intimidação dos que desejam resolver o caso através do linchamento. Quando a histeria aumenta, Tom é condenado e Bob Ewell, o acusador, tenta punir o advogado de um modo brutal.

Entretanto, os seus dois filhos e um amigo encenam em miniatura o seu próprio drama de medos, centrado em Boo Radley, uma lenda local que permanece confinado numa casa vizinha.




Ao ouvir variadíssimos comentários, bastante abonatórios, em relação a este livro ao longo de vários anos, este livro adquiriu para mim um estatuto de “leitura clássica recomendada” a ler na primeira oportunidade. São aqueles livros que por uma ou por outra razão se tornam ícones da literatura e que pretendia ler. Razão pela que agradeço à Editora Relógio d’Água a oportunidade de ler este livro.


A história retracta uma pequena cidade, nos anos 30, cuja população se encontra dividida em classes sociais bem definidas, é a época que antecede a segunda guerra mundial. Um peculiar julgamento sobre uma violação ameaça a estabilidade da pacata cidade. O grande argumento para a leitura deste extraordinário livro é que a história é vista e narrada por uma criança de 6 anos, Scout, o que lhe providência uma voz única e engrandece a obra, havendo, quanto a mim, uma analogia entre a inocência da personagem, o seu amadurecimento e a própria história.


O título faz um paralelismo interessante entre uma das personagens e a cotovia, não me querendo alongar muito para não divulgar nenhum elemento crucial do enredo.


Eu tenho um filho que tem aproximadamente a idade da personagem Scout, e essa identificação, esse reconhecimento de genuinidade dos actos, da curiosidade e da absorção dos factos da vida asseguram e solidificam um realismo espantoso a Jean Louise Finch (Scout). 


É-nos oferecida uma perspectiva de descoberta, do tentar perceber e interiorizar a realidade subjacente, contribuem para esse facto a entrada de Scout para a escola, a sua inocente paixão por Dill e os esforços da tia para a educar segundo determinados padrões. Contudo e face ao discurso estruturado e ao distanciamento do discurso empregado presume-se que Scout conte a história com algum distanciamento, e consequentemente anos mais tarde daqueles que os factos tiveram lugar.


Scout é uma “maria rapaz”, impulsiva, orgulhosa. Tem como modelos o pai (Atticus Finch) e o irmão (Jem - Jeremy Atticus Finch). Uma criança inocente, rebelde e ainda assim curiosa que maravilha o leitor com a sua personalidade e a forma de ver o mundo que a rodeia.


O livro aborda o racismo, preconceito, as diferenças entre os sexos e a intolerância, entre outras temáticas.


O sentido de humor que Harper Lee transferiu para o texto, abrilhanta e enaltece a história já de si cheia de argumentos válidos e únicos para a sua leitura atenta.


Este foi um dos melhores livros que tive o privilégio de ler. Uma leitura “imprescindível”.

Não consigo deixar de fazer a ligação com o filme “A vida é bela” de Roberto Benigni. Não pela história, nem tão pouco pelas personagens, mas sim pela genuinidade com que abalam e tomam o leitor/espectador durante o enredo. Obras que distam quase 40 anos, mas ambas inesquecíveis.


Como pode uma autora assim ficar “calada”?  Porque não nos ofereceu Harper Lee outras obras e nos privou do seu dom? Essas são questões que ficam no ar, e ainda que haja rumores que visam colocar em causa o verdadeiro autor da obra, a qualidade da obra é incontestável. E apesar das mais de 5 décadas que nos separam da sua publicação original, continua a ser um livro relevante e continua a cativar mais e mais leitores por todo o mundo.


Harper Lee ganhou o prémio Pulitzer com este livro, “Mataram a Cotovia”, em 1961. Era a mais jovem de quatro irmãos, cresceu numa pequena cidade, e o seu pai era advogado. Factos que levam a considerar que este livro tem muito de biográfico. 


O livro foi adaptado por Robert Mulligan ao cinema em 1962, ganhou 3 óscares e teve o titulo de “Na sombra e no silêncio” em Portugal.


A autora, agora com 88 anos, vê o seu segundo livro publicado. Livro esse que terá sido escrito antes deste e que seria a sequela. Contudo a autora vê este segundo livro, “Go Set a Watchman”, de forma diferente, como sendo “o pai da Cotovia”, segundo o seu editor. 

A questão que se colocou foi: porquê só agora a publicação deste livro? Consta que a autora tinha dado este manuscrito como perdido e foi encontrado pela sua advogada. Segundo o que se pode ler no The Guardian, há quem argumente que Lee não se encontra em condições para manifestar a sua vontade quanto à publicação deste livro, e que este "achado" acontecer depois da irmã de Harper falecer é estranho… Enfim … as histórias e rumores multiplicam-se com alguma polémica à mistura.


Curiosidades: Um dos títulos iniciais previstos para este livro era “Atticus”, o nome do pai de Scout, um advogado reputado, honesto e liberal que tenta educar duas crianças sem a mãe. Mas foi alterado por Harper Lee para “o Kill a Mockingbird”.

Recomendo que vejam a análise que John Green (autor do famoso livro A Culpa É das Estrelas publicado o ano passado) fez sobre este livro.

Fonte da imagem: http://10goldmockingbird.wikispaces.com/Specific+Setting+of+Maycomb


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