Entrevista com Tânia Ganho


1 – “A Mulher-Casa” apresenta-nos como uma capa muito sugestiva, que nos transmite a ideia de ousadia e de aconchego do lar. Ao ler o livro podemos esperar encontrar esse prazer reconfortante?

A Mulher-Casa é a história de uma mulher ousada, que busca reencontrar, através do prazer, a sua identidade enquanto mulher, para lá da esfera doméstica e do seu papel de mãe. A casa surge sempre como um misto de refúgio e prisão, à semelhança do que acontece nos quadros Femme-Maison da artista plástica Louise Bourgeois, a quem "roubei" o título do livro. A Mara vê-se cada vez mais confinada ao mundo entre quatro paredes e, por mais luxuoso que seja esse mundo, sente uma necessidade crescente de evasão, de criar espaços de liberdade e transgressão dentro da sua gaiola dourada. É esse o papel de Matthéo, o amante: refúgio e escape.

2 – A transcrição literária tem vantagens não tão acessíveis a outros escritores, uma delas é a possibilidade de interagir com outros autores, e colocar-lhe questões que o leitor anónimo não pode fazer. Tem a possibilidade de continuar “na obra” uma vez que após a leitura da obra pode questionar a intenção do que (e como) se pretende transmitir e a forma como leitora o percepciona. Considera essa interacção uma vantagem?

É um enorme privilégio poder trocar impressões com os autores que traduzo e questioná-los sobre a escolha de determinadas palavras, metáforas e estratégias narrativas, coisa que o leitor "comum" não pode fazer. Aprendo muito com cada tradução que faço, a todos os níveis. E crio um diálogo intelectual - invulgar, nos tempos que correm - com outros autores, diálogo esse que quebra a solidão do ofício de tradutor/escritor e é sempre enriquecedor.

3 – A meu ver existe um misto de “transcrição” e “criação” na tarefa de uma tradutora literária, uma vez que o cunho de quem traduz impõe sempre a subjectividade inerente a cada um de nós. E a forma como é abordada e apresentado todo um contexto inerente à obra reflecte necessariamente opções da tradutora. Acha que nas obras que traduz fica sempre algo seu, da escritora, mesmo que inconsciente?

Fica sempre algo meu nas traduções, nem que seja alguns "tiques" linguísticos que, de certeza, tenho, como qualquer outra pessoa. Consigo, no entanto, separar a Tânia-escritora da Tânia-tradutora, e tento evitar ao máximo que a minha faceta de escritora interfira com o estilo e a voz do autor que estou a traduzir. Enquanto tradutora, sinto-me mais artesã do que propriamente artista, portanto há uma dose maior de "transcrição" do que de "criação". Quando estou a escrever, tento igualmente fazer abstracção do meu trabalho de tradutora e concentrar-me exclusivamente na minha "voz" interior.

4 – Li algures numa entrevista sua que a tradução é a sua profissão, mas a escrita é a sua identidade. Pode falar-nos desse amor incondicional que nutre pela escrita?

Ao longo dos anos, consegui organizar toda a minha vida em redor da escrita e fazer da literatura o centro do meu mundo. Escolhi a profissão de tradutora por ser a que mais se aproximava da de escritora, mas a tradução é uma paixão intelectual, enquanto a escrita é quem sou, intrinsecamente. Estou constantemente a transformar tudo o que vejo e sinto em palavras, frases, a reciclar a realidade em ficção. Acho que não sei viver de outro modo.

5 – Que obras e autores a marcaram e lhe servem de inspiração?

Virginia Woolf, Jorge de Sena, Sophia, Henry Miller, Doris Lessing, Marquês de Sade, Margaret Atwood, Pessoa, Anne Tyler. A lista é longuíssima e muito ecléctica.

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